Vassíli Grossman (1905-1964), autor de “Vida e Destino”. Foto: Gazeta Russa
Um livro tem poder o suficiente para ser tido como inimigodo Estado? As ditaduras veem os livros como inimigos. Em geral, mais por suas fraquezas e contradições do que pelo potencial balístico de algumas centenas de páginas.
É famosa a narrativa do encontro do ditador Costa e Silva com a condessa Pereira Carneiro, então dona do “Jornal do Brasil”. Costa e Silva reclamava de reportagens publicadas pelo diário, quando a proprietária justificou. “São críticas construtivas.” Ao que, o general respondeu: “Eu não quero críticas construtivas. O que quero é elogio mesmo”.
Bons livros dificilmente são repositários de elogios. Daí os ditadores não gostarem deles.
Vassíli Grossman (1905-1964), autor soviético nascido na Ucrânia, escreveu “Vida e Destino” ao longo de dez anos, de 1950 a 1960. Morreu sem ter visto a obra publicada. Por causa de lúcidas críticas a Stálin e ao regime comunista, o livro foi considerado antissoviético.
Grossman, à procura de editor, distribuiu cópias do livro a jornalistas que imaginava amigos. Em 1961, a KGB, serviço secreto soviético, invadiu o apartamento do escritor. Os agentes apreenderam uma versão datilografada do romance e o manuscrito original do autor. Neste havia todos os esboços e rascunhos dos capítulos não incluídos na versão final, partes que foram excluídas a conselho de amigos como sabidamente “censuráveis em virtude do teor político”.
Deprimido, Grossman apelou até ao primeiro-secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, Nikita Khrushchev:
"Os métodos com os quais querem deixar em sigilo tudo o que aconteceu com o meu livro não são métodos de combate à mentira ou à calúnia. Não é assim que se luta contra a mentira. Assim se luta contra a verdade. Não há nenhum sentido em minha liberdade física, quando o livro ao qual eu dediquei a minha vida encontra-se preso. Peço liberdade para o meu livro", protestou.
O manuscrito e o texto datilografado ficaram trancados em cofres do Estado por 52 anos. O livro foi editado na Europa em 1980, graças a uma cópia que Grossman deixara com um amigo, o poeta Semion Lípkin. Somente em 1988 a obra foi lançada na URSS, em uma versão incompleta.
Em 2013 o governo russo, herdeiro do estado soviético em todos os sentidos, tirou o manuscrito do cofre do serviço secreto e o colocou à disposição de pesquisadores para consultas. Com os capítulos inéditos antes censurados.
O ex-presidente Lula tornou-se um atento leitor, informa reportagem do “Valor Econômico” desta segunda. Avesso confesso aos livros, Lula estaria mergulhado em biografias e romances históricos. Entre eles, está “Vida e Destino”, presente que recebeu do ex-ministro Frnaklin Martins.
Uma das muitas passagens magistrais do livro serve como conselho ao ex-presidente: “Os homens bons e maus são igualmente capazes de fraqueza. A diferença é que um homem mau vai ter orgulho toda a sua vida de uma boa ação, enquanto um homem honesto dificilmente vive consciente de seus bons atos, mas se lembra de um único pecado por anos a fio”.
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